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Cigarras zumbis loucas por sexo: um efeito bizarro de um fungo parasita

Mellis Layra Soares Rippel


Já imaginou se transformar em um zumbi ao entrar em contato com um fungo? Ter sua mente controlada por outro ser que te manipula em prol de suas vontades? Estamos familiarizados talvez com essa ideia graças às histórias e filmes de ficção, mas na vida real isso está longe de ser algo concebível. Será mesmo? Bom, pelo menos para nós seres humanos talvez esteja. Contudo, isso é a mais pura realidade para outros animais que participam do ciclo de vida de alguns agentes infecciosos, como fungos, vírus, protozoários, vermes, etc. Estes são exemplos de patógenos que manipulam os seus hospedeiros vivos para conseguirem se transmitir por aí com sucesso, um fenômeno conhecido como Transmissão Ativa do Hospedeiro (TAH). Deixa eu explicar: já ouviu falar do vírus da raiva, certo? As vítimas desse vírus sentem medo da água, não engolem a saliva (fazendo com que os vírus se acumulem na boca), e é claro, ficam mais agressivas e propensas a morder, e assim interagir com outros e por consequência espalhar o vírus por aí. Dessa forma, isso acaba substituindo os interesses da vítima em favor dos interesses do vírus! Como se as vítimas fossem apenas marionetes do vírus! Ou seja, o TAH é uma forma de manipulação biológica na qual o patógeno (o vírus, por exemplo), altera o comportamento de sua vítima indefesa, servindo assim aos seus interesses próprios. Aqui eu gostaria de abrir um parêntese e ressaltar que essa mudança de comportamento induzida pela ação do vírus não é a vontade dele, ok? Isso é um resultado de um processo evolutivo que inclusive evoluiu diversas vezes por uma variedade de grupos de seres vivos.

Como exemplo o parasita Toxoplasma gondii, protozoário que causa a toxoplasmose. Você sabia que o rato, um hospedeiro intermediário no ciclo da doença, infectado pelo protozoário perde seu medo dos felinos e é até direcionado a procurar seus próprios predadores, os gatos?! Assim ele infecta o hospedeiro definitivo, o felino, completando então o seu ciclo. Outro exemplo é o verme crina-de-cavalo (Nematomorpha) que induz seus hospedeiros grilos a se afogarem para que ele possa completar seu ciclo de vida na água. E agora chegamos ao caso interessantíssimo que acontece com algumas cigarras. Certos fungos entomopatogênicos (aqueles que infectam insetos), como os Massospora spp., manipulam o comportamento sexual de suas hospedeiras, as cigarras, para aumentar suas chances de transmissão. Vamos ver como isso funciona?


Entendendo a relação do fungo com as cigarras


Cigarras do gênero Magicicada podem passar até 17 anos debaixo da terra enquanto jovens, após esse período, emergem de sua última muda (metamorfose) e começam a voar, cantar e copular por aí. Os machos chamam e as fêmeas respondem batendo as asas. Se uma fêmea permanece muito tempo sem ser copulada, sua resposta passa a ser mais exagerada com batidas de asas mais altas e consistentes, e as vezes até movendo todo o corpo, o que então chama mais a atenção do macho.

Esse comportamento exagerado é uma forma de hipersexualidade, também conhecida para outros grupos de insetos como baratas, vespas parasitoides, moscas da fruta, entre outros. Quando infectadas pelo fungo Massospora, essas cigarras apresentam a hipersexualidade, incluindo os machos que também passam a responder batendo suas asas, imitando o comportamento da fêmea de modo a espalhar o fungo para ainda mais parceiros. Isso acontece porque o fungo libera compostos de uma anfetamina chamada catinona.

A infecção se dá pelo contato com outras cigarras infectadas, e assim que saem da terra e começam a fazer a muda para virar adulta seu abdômen cai dando lugar a uma massa branca de esporos que se espalha quando elas tentam copular entre si. Assim, o fungo assume o controle fazendo com que as cigarras queiram copular como loucas umas com as outras.


A Transmissão Ativa do Hospedeiro


Apesar de existirem poucos exemplos de TAH, esses fungos não parecem ser raros ou ameaçados. Isso é bem verdade para os Massospora que infectam cigarras, pelo fato de que indivíduos infectados podem certamente ser encontrados em grandes populações dessas cigarras. Desse modo, a forma de dispersão por TAH é um meio efetivo de transmissão para esses fungos patógenos especializados em um tipo de hospedeiro, independentemente se eles são fáceis de serem observados por aí.


Viu como essa manipulação de um hospedeiro focado na transmissão do patógeno é algo fascinante e que acontece de verdade na natureza?! Isso pode ser um grande exemplo que levanta questões sobre a natureza da autonomia e as manifestações físicas e comportamentais do parasitismo.




Referências





Lovett B, Macias A, Stajich JE, Cooley J, Eilenberg J, de Fine Licht HH, et al. (2020) Behavioral betrayal: How select fungal parasites enlist living insects to do their bidding. PLoS Pathog 16(6): e1008598. https://doi.org/10.1371/journal.ppat.1008598

https://www.npr.org/2021/05/18/997998920/the-fungus-thats-making-cicadas-sex-crazy


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